Ziadora Greenleaf: Agente Secreta
Theodore Silverfern

Capítulo 1
Ziadora Greenleaf se perguntava se sua mãe já tinha ficado espremida dentro de um duto de ventilação, esperando o momento certo para capturar uma criatura do mal. A resposta veio rápido à cabeça de Zia: com certeza!
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— O escritório fica no fim do corredor, à esquerda — sussurrou Sarah.
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A garota apontou pelas frestas do duto para uma porta preta e imponente.
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— Vamos entrar antes que os guardas voltem.
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Sarah era a comandante e tinha onze anos — dois a mais do que Zia. Zia ainda não acreditava em sua sorte: aquela era sua primeira missão, e ela estava em dupla com Sarah fazia quase três meses. Finalmente, havia chegado o grande dia. Por ora, no entanto, as duas estavam espremidas de forma dolorida dentro do duto de ventilação.
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— Pronta? — perguntou Sarah.
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Elas formavam a melhor equipe de todas. Sarah era esperta e engraçada. Zia era rápida e ágil. Juntas, nenhuma missão era impossível. Além disso, as duas guardavam dois segredos enormes e incríveis.
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— Sempre! — respondeu Zia, com um sorriso para a melhor amiga.
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O primeiro segredo era que as duas, na verdade, eram agentes secretas. Espiãs. E estavam prestes a capturar um troll nojento e terrível que fingia ser o presidente do banco mais rico de Chicago. Trolls adoravam dinheiro — e faziam coisas horríveis para conseguir mais e mais. E aquele troll, chamado Yeego, era um dos piores. Mas, primeiro, elas precisavam sair daquele espaço apertado.
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— Pega o bolso — disse Sarah.
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Ela puxou um bolso feito de folhas verdes e brilhantes. Zia desencaixou o seu. As duas tiraram o que parecia casca de árvore. E era mesmo — mas não de qualquer árvore da floresta. Aquela era a Casca de Zinfandel, com poderes muito especiais.
— Vamos acabar logo com isso — disse Zia, mostrando a língua.
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Elas seguraram a casca sobre a língua e morderam. O gosto era amargo e estranho. Zia sentiu o corpo vibrar como uma abelha. E, de repente, encolheu — de tamanho de menina para tamanho de ervilha. Mas elas tinham apenas alguns segundos.
— Vai, vai, vai! — guinchou Zia, com uma voz minúscula.
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As duas correram pela abertura na base do duto. As ripas de metal agora pareciam traves de futebol. No corredor, Zia e Sarah pararam para respirar. Zia passou a mão no cabelo — curtinho, roxo e espetado, como o de um porco-espinho. A vibração voltou. Num piscar de olhos, ela já estava de volta ao seu tamanho normal — uma menina de nove anos.
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— Parece até mágica — brincou Sarah.
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Zia piscou para a amiga. Aquele era o segundo grande segredo. Além de espiãs, as duas eram da tribo Fae. Alguns chamavam de fadas. Mas os Fae não tinham nada a ver com as fadas dos livros — aquelas de vestidos rendados e varinhas mágicas. A tribo Fae não era mágica… pelo menos, não exatamente. Eles viviam em florestas secretas onde cresciam plantas encantadas. Desde pequenos, os Fae aprendiam como e quando comer aquelas plantas.
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— Certo, Zia. Yeego está naquele escritório — murmurou Sarah, quando chegaram à porta preta. — Vamos acabar com essa missão!
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Madrinha tinha ordenado que Zia e Sarah rastreassem Yeego e impedissem seus planos malignos. Zia queria muito que sua primeira missão fosse um sucesso. Ela queria ser uma heroína, como a mãe. Além disso, pela primeira vez na vida, tinha feito uma amiga. Sentia que finalmente pertencia a algum lugar.
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— A honra é sua, Zia — sussurrou Sarah. — Você merece.
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Sarah entregou a Zia um par de algemas feitas de cipó Fae — se conseguissem colocá-las no troll, seus poderes sumiriam. Zia abriu a porta e entrou correndo. Sentiu Sarah logo atrás. Um homem muito alto e largo estava sentado atrás de uma escrivaninha.
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— Mãos para cima, Yeego! — gritou Zia, com as algemas erguidas. — Você está preso!
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Mas Yeego não levantou as mãos. Em vez disso, ele riu. E, diante do olhar apavorado de Zia, seu rosto começou a borbulhar como sopa quente. A pele humana derreteu, revelando uma cara deformada e amarelada. Zia viu algo se mexer atrás da porta. Mas já era tarde.
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— Zia, socorro! — gritou Sarah.
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Outro troll a segurava com braços grossos como troncos. O Yeego amarelo fitou Zia com olhos brilhantes. Seus lábios verdes e babados estalaram alto, como se estivessem mastigando.
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— Bem-vindas, minhas amiguinhas fadas.
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Zia quase engasgou de surpresa. O sorriso de Yeego era horrível.
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— Vocês achavam mesmo que duas criancinhas Fae iam me parar? Eu sou o grande Yeego!
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Ele se recostou na cadeira com um ar satisfeito. O troll que segurava Sarah riu. Zia estava paralisada. O plano era usar o fator surpresa. E agora? Sua mente parecia encharcada. Ela tinha que agir! Zia enfiou a mão no bolso. Mas Sarah balançou a cabeça. E sussurrou em voz tão suave que os trolls jamais escutariam.
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— Não consigo alcançar o meu. Joga o seu para mim, Zia. Confia. Eu sei o que fazer.
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Zia ficou chocada. Os bolsos Fae eram sagrados. Se fossem roubados ou tomados à força, explodiriam. Só podiam ser entregues de livre vontade — e mesmo assim, ninguém jamais entregava o próprio bolso. Mas aquele não era um momento qualquer. Sarah fez que sim com a cabeça.
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— Um... dois... — contou Sarah.
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De repente, ela se contorceu e soltou uma das mãos. — Três!
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Zia desencaixou o bolso e o lançou para Sarah. Ele caiu direto nas mãos estendidas da amiga. Sarah sorriu. Mas, para o espanto de Zia, o troll também sorriu. Yeego soltou uma gargalhada. O estômago de Zia despencou.
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— Excelente trabalho, Sarah — disse Yeego. — Solte-a, Gorge.
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O troll menor soltou Sarah. Zia ficou boquiaberta. A amiga caminhou até a mesa. O peito de Zia apertava, como se tivesse ficado sem ar. Horrorizada, ela viu Sarah entregar o precioso bolso Fae ao troll gigante. Yeego o agarrou — e o bolso não explodiu. Zia tinha deixado a magia dos Fae cair nas mãos do inimigo!
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— Sarah! — gritou Zia. Os pés pareciam colados no chão. — O que você está fazendo?
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Sarah deu um sorriso malvado. Yeego olhou para as duas e soltou outra risada. O troll puxou um saco de ouro do tamanho da cabeça de Zia. Sarah girou, empolgada. Tentou pegar o dinheiro, mas Yeego o puxou de volta.
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— Você vai receber — disse ele, com calma. — Quando sua amiguinha for capturada.
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Sarah fez beicinho. Depois se virou para Zia. Os olhos estavam frios e cruéis — como os de um lobo prestes a atacar.
— Pode deixar, chefe — disse ela. — Agora ela não tem mais mágica. É só uma garotinha assustada de nove anos.
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Mas essas palavras pareciam ter soltado as pernas de Zia. Porque Sarah estava errada. Ela ainda tinha um pouco de mágica — na manga, literalmente. Sua mãe tinha ensinado aquele truque. Obrigada, mãe, pensou Zia. Antes que Sarah ou os trolls se mexessem, Zia rasgou um bolso secreto costurado na manga. Tirou um fio de Grama Nuvem prateada e um pedacinho de Casca de Zinfandel. Yeego parou de rir e fitou Zia. Mas ela olhava além — para a janela aberta atrás da mesa. Dava para ouvir o trânsito agitado de Chicago.
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— Peguem ela! — rugiu Yeego.
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Sarah avançou. Mas Zia se abaixou e correu até a mesa. Gorge tentou acertá-la com um braço enorme. Zia deu uma cambalhota e saltou sobre a escrivaninha. Yeego gritou. Seu punho veio com tudo. Mas Zia já tinha engolido a grama e a casca. Sentiu o vento cortar alto, bem acima da cabeça.
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— Onde ela foi parar?! — rosnou Yeego.
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Zia, minúscula, atravessou a mesa e saltou em direção à janela. A Grama Nuvem fez efeito. Asas brotaram de suas costas. Ela voava!
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— Fechem a janela! — gritou Sarah. — Ela está fugindo!
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Zia batia as asas com força. Mais rápido! Mais rápido! Sentiu o vento quando a janela começou a fechar. Ia ser esmagada! Com o último resquício de energia, ela passou pelo vão — bem quando a janela se fechou com um baque atrás dela.

Capítulo 2
Zia andava sem rumo pela Floresta Fae. Aquele era o seu lar. Ela tinha crescido ali, escondida no extremo norte. Humanos nunca achavam esse lugar mágico — em volta da floresta, cresciam flores roxas encantadas. Para Zia, o perfume era suave, quentinho, como um travesseiro aconchegante. Mas para humanos? Um cheiro esquisito, que fazia lembrar que tinham deixado o forno ligado ou a porta aberta.
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Ela achava que voltar pra casa seria maravilhoso. Mas agora... não sentia nada. Parou e olhou as pontes de cipó penduradas entre os pinheiros gigantes. Eram feitas de cipós vinhas vermelhoas entrelaçadoas. Três Fae idosas atravessavam devagar uma das pontes, indo em direção a uma casa no topo de uma árvore. Uma delas parou, olhou lá pra baixo, bem pra Zia, e começou a cochichar com as outras. Zia não entendeu tudo, mas seu coração apertou.
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— Greenleaf… a bolsinha… a Madrinha… que decepção…
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Desde que tinha voltado da missão sem troll e sem bolsinha, ela ouvia murmúrios por todo canto. Será que estavam comentando sobre seu fracasso? Sentindo pena? Ou achando que ela nunca seria tão boa quanto sua mãe? Zia não sabia o que doía mais.
Já fazia duas semanas desde que fugira do banco em Paris. Mesmo com o tempo passando, ela ainda não entendia como tinha conseguido escapar. As lembranças vinham como borboletas — e quando tentava pegar, puff… já tinham voado.
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Ao longe, ela viu um arbusto com frutinhas vermelhas brilhantes. No reflexo, levou a mão até o cinto pra pegar sua bolsinha — queria repor o estoque de Frutas-Fagulha. Depois lembrou. Suspirou. Ainda esquecia que não tinha mais bolsinha. Sem ela, Zia se sentia exposta. Como sair do banho e perceber que não tem toalha por perto.
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— Ei, Greenleaf!
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Zia se virou assustada. Um garoto chamado Martin estava atrás dela. Ele tinha sido colega dela na escola academia da FSA. Era mais velho, mas tinham se formado juntos.
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— O que foi? — respondeu Zia, meio irritada.
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Martin tinha aquele sorrisinho de quem achava que era o máximo. Os dois nunca se deram bem. Ele odiava que Zia tivesse se saído melhor que ele nos testes da FSA. E ela achava ridículo que ele se achasse especial sem fazer nenhum esforço.
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— A Madrinha quer falar com você — disse ele.
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Aquele sorriso… Zia sentiu o estômago revirar. Martin deu de ombros e virou as costas.
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— Espera! Por quê? O que ela quer?
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Martin parou, mas nem se virou.
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— Sei lá, Greenleaf. Talvez te botem pra tirar puxar erva daninha na escola da FSA.
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Zia fez careta e mostrou a língua. Mas ele já tinha sumido. Babaca, pensou. Mas, mesmo assim, o coração dela estava disparado. Será que iam expulsá-la da FSA? Desde pequena, ela sonhava em ser agente. Como sua mãe. O que será que ela pensaria de mim agora?
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Zia apertou o passo em direção à Árvore Grande. SuaAs mãos estavam suadas.
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— Oi, Zia! Vai treinar hoje?
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Ela se virou. Voya, outra aluna da academia, acenava do campo de treino. Enormes monstros-cipós andavam pela clareira como se fossem vivos. Voya se abaixou, rolou e pulou nas costas de um deles. Zia deu um tchauzinho tímido.
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— Hoje nNão hoje. A Madrinha me chamou.
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Voya fez que sim e continuou a batalha. Atrás dela, agentes e aprendizes corriam, voavam e lutavam com os monstros de folhas. Zia gostava da Voya e de alguns outros, mas não tinha muitos amigos de verdade. Treinar era seu melhor amigo — até Sarah aparecer. Zia se forçou a seguir em frente, até a sede da FSA, conhecida como a Árvore Grande.
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— Pode entrar!
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A Madrinha estava esperando. Mas Zia ficou parada diante da porta gigante, esculpida direto no tronco da árvore.
— Pode vir, Ziadora Greenleaf. Sei que está aí — disse a voz firme da Madrinha.
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Zia se encolheu. A Árvore Grande era imensa — cem metros de altura, cinquenta de largura. Ela respirou fundo e entrou. Luzes feitas de flores Fae iluminavam o salão redondo. O ar cheirava a maçã com canela. Normalmente isso confortaria Zia. Mas hoje o estômago dela estava embrulhado.
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— Sente-se, Ziadora — disse a Madrinha, apontando uma poltrona feita de musgo e folhagens.
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Zia queria protestar, mas obedeceu. Ela odiava que usassem seu nome inteiro. Só a mãe podia chamá-la assim. Ela preferia Zia. Ou melhor ainda: agente Greenleaf — como sua mãe.
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— Sua missão foi um fracasso total — disse a Madrinha. O rosto dela era cheio de rugas, mas sua voz era firme. — Yeego continua solto. Uma bolsinha Fae foi perdida. E uma agente não voltou.
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Zia sentiu o chão sumir. Ela amava a FSA. Era seu sonho. E agora parecia que tudo desmoronava. Queria afundar naquela poltrona de musgo e desaparecer.
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— Olhe pra mim, Ziadora.
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Zia levantou os olhos. E, para sua surpresa, a Madrinha não parecia brava.
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— Mesmo assim, uma agente mirim de nove anos conseguiu sobreviver — contra todas as probabilidades. Depois que foi traída pela parceira, teve inteligência e coragem pra escapar.
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Zia sentiu o peito se aquecer.
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— Então… ainda sou uma agente da FSA?
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A Madrinha suspirou. Como chefe da famosa Agência Secreta Fae, ela era poderosa. Mas agora parecia cansada.
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— Sim, agente Greenleaf. Todos cometem erros — disse ela com doçura. Depois sua voz ficou mais dura: — Mas entregar uma bolsinha Fae para o inimigo? Inaceitável. A FSA protege o mundo da magia sombria. Nunca entregamos nosso poder ao mal.
Zia sentiu como se estivesse numa montanha-russa.
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— Desculpa, Madrinha. Prometo que nunca mais vai acontecer.
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— Ziadora, um agente precisa saber em quem confiar. Nove em cada dez vezes… é melhor não confiar em ninguém!
Só de pensar na Sarah, o estômago de Zia revirava. Como tinha sido tão ingênua? Achava que tinha encontrado uma amiga. Ela engoliu as lágrimas, respirou fundo.
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— É pra eu voltar e capturar o Yeego? E… a Sarah também?
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A Madrinha balançou a cabeça.
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— Não, Ziadora. Com uma bolsinha Fae, Yeego está ainda mais perigoso. Essa missão agora é pra agentes com mais experiência.
Zia sentiu vergonha… e também um certo alívio. A Madrinha puxou algo da gaveta e se aproximou. Zia se levantou num pulo.
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— Você ainda é jovem, Ziadora. Talvez essa missão tenha sido cedo demais. Normalmente só aceitamos alunos com onze anos.
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Mas você passou nos testes com excelência — o que não é surpresa, sendo filha de quem é.
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Só de pensar na mãe, as pernas de Zia tremeram. A Madrinha estendeu uma bolsinha. Zia a pegou com cuidado. Era leve como pena, linda, feita de folhas vermelhas e roxas. O coração de Zia disparou. Ela conhecia essa bolsinha.
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— Era da sua mãe, Ziadora. Encontraram na casa onde ela sumiu. É hora de passar pra você.
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A mãe de Zia — a primeira agente Greenleaf — tinha desaparecido dois anos antes, em uma missão secreta. Zia entrou na academia mais cedo que o normal, sonhando seguir os passos dela. E, lá no fundo, ainda tinha esperança de reencontrá-la um dia.
— Tenho uma nova missão pra você. Em Leadville, Colorado. Só você pode cumprir.
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Zia sentiu o mundo girar. Já tinha ouvido falar da magia selvagem nas Montanhas Rochosas. Leadville era uma cidadezinha escondida nas montanhas — famosa no mundo mágico.
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— Mas por que eu? O que eu tenho de especial?
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— Ziadora… você vai voltar pra escola.
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— O quê?! — Zia quase gritou. — Mas eu já terminei todas as provas!
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A Madrinha soltou uma risadinha.
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— Escola humana, querida. A FSA detectou magia suspeita em uma escola de Leadville.
Zia ficou de queixo caído. A Madrinha apontou pra bolsinha da mãe.
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— Pegue algumas plantas na floresta. Prepare tudo. Amanhã, você começa no terceiro ano.

Capítulo 3
O sinal tocou. Zia apertou a mochila contra o peito enquanto seguia a fila de alunos entrando na sala. Dentro da mochila: dois cadernos novinhos, alguns lápis... e a bolsinha verde e roxa da mãe. Os outros alunos riam, conversavam alto, faziam barulho. Zia prestava atenção em tudo. Uma boa espiã sempre escuta o ambiente.
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— Muito bem, turma, vamos nos sentar! — disse uma voz doce e animada. — Espero que tenham tido um ótimo fim de semana!
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Todos correram para os seus lugares... menos Zia. Ela ficou parada, sozinha. Olhou para a professora. Seu nome era Srta. Stevens. Ela era alta, com longos cabelos negros e brilhantes. Usava um colar com uma pedra azul-clara que parecia gelo. Uau, pensou Zia. Sua nova professora era linda.
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— Temos uma nova aluna hoje — anunciou Srta. Stevens, olhando direto para Zia. Mesmo sendo uma agente treinada, Zia sentiu o rosto ficar quente. — Você quer se apresentar?
Zia engoliu em seco. Todos estavam olhando para ela.
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— Oi… meu nome é Zia. Eu… acabei de me mudar pra cá.
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— Oi, Zia! — respondeu a sala inteira em coro.
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Srta. Stevens sorriu para ela e apontou para uma carteira no fundo da sala.
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— Bem-vinda à Escola Primária de Leadville, Zia. Pode sentar ali, ao lado da Sadie e do Wesley.
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Zia caminhou até o lugar e se sentou. A menina à sua esquerda abriu um sorrisão.
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— Zia é um nome muito legal! — disse Sadie. — E seu cabelo é incrível!
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Zia tocou nos fios. De manhã, ela tinha mastigado uma folha especial dos Fae — isso permitia mudar o visual. Para essa missão, escolheu cachos azul-céu. Olhou ao redor. Ufa — outras crianças também tinham cabelos coloridos.
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— Ah, obrigada — respondeu Zia. Ela observou Sadie: pele escura como chocolate, cabelos castanhos e olhos grandes e gentis. Sadie pParecia legal. Zia precisava agir como uma menina comum de nove anos... mas não tinha certeza de como fazer isso.
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Ela arriscou:
— Eu gostei da sua camiseta, Sadie.
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Sadie sorriu e olhou para suas listras azuis. Zia relaxou. Primeiro elogio: missão cumprida. Então se virou para o menino à direita. Ele tinha cabelo bem curtinho e olhos cor de mel. Olhou para Zia ao mesmo tempo... e franziu a testa. Aquele menino, Wesley, dava um arrepio esquisito nela. Nada agradável.
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— Abram seus cadernos de matemática e terminem a atividade de ontem — disse Srta. Stevens.
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Ela entregou uma folha novinha para Zia e bateu de leve na mesa de Wesley.
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— O Wesley também é novo na escola. Ele chegou faz algumas semanas — ela olhou para os dois. — Wesley, como você terminou o trabalhoa folha ontem, pode ajudar a Zia a começar?
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Zia assentiu. Matemática não era seu forte. Os números escapavam dela como se fossem peixes escorregadios. Talvez Wesley pudesse ajudar. Mas, em vez disso, ele apenas resmungou e apontou friamente para os erros.
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— Você nem sabe multiplicar? — disse ele com desdém.
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Zia cerrou os dentes. Quando o sinal tocou, ela já estava de mau humor. Por que Wesley a tratava tão mal? Ela olhou ao redor. Outras crianças também estavam com dificuldade — três até dormiram sobre a carteiramesa. Mas só Wesley causava aquele sentimento estranho dentro dela.
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O sinal tocou de novo.
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— Zia, pode ficar um minutinho? — pediu Srta. Stevens.
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Zia ficou parada perto da porta enquanto os outros saíam. Sadie lhe deu um sinal com o polegar e foi embora sorrindo.
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— E aí, como você está no seu primeiro dia? — perguntou Srta. Stevens, se abaixando para ficar da altura dela.
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— Ah… tudo bem — disse Zia, tentando parecer uma aluna comum, não uma espiã disfarçada. — É só que tem muita coisa nova.
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— Eu sei que mudar de escola pode ser difícil. Quando eu era pequena, mudei várias vezes também — disse Srta. Stevens. Seus olhos verdes brilhavam com gentileza. Ela passou os dedos pelo pingente azul do colar. — Zia, estou aqui pra te ajudarvocê. Se precisar conversar ou de qualquer coisa, é só vir falar comigo, tá bem?
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Zia sorriu de volta. Srta. Stevens era realmente legal.
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— Obrigada. Eu vou lembrar disso.
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— Você é uma menina especial, Zia.
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Srta. Stevens tocou de leve no ombro dela. Zia sentiu os olhos ficando pesados. Depois daquela matemática difícil e do jeito esquisito de Wesley, ela estava exausta. E ainda teve a viagem noturna do bosque Fae até Leadville. Tudo que queria era comer. E dormir.
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— Vá pra cantina. Aposto que você está morrendo de fome — disse a professora.
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Assim que Zia entrou no refeitório, Sadie acenou para ela. Estava sentada sozinha. Zia pegou uma bandeja e foi até lá. Isso deixou seu coração quentinho — ela sabia como era estar sozinha. Ela amava o povo Fae, mas treinava tanto que quase não tinha amigas. Só… Sarah. Traidora, pensou Zia com amargura.
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— O que a Srta. Stevens queria? — perguntou Sadie, com a boca cheia de chili.
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Zia encarou sua tigela, salivando. Se obrigou a responder antes de atacar a comida.
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— Ela só foi legal. Disse que posso procurar ela se precisar de alguma coisa.
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Então deu a primeira colherada no chili. Estava picante… e delicioso. Zia nunca contaria pros outros Fae, mas… ela amava comida humana! Queijo. Biscoitos. Bolo. Chocolate. Tudo!
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— A Srta. Stevens é ótima — disse Sadie, embora não parecesse empolgada com o chili. Zia pensou: seria estranho terminar o pratoa porção dela também? — Ela conversa com cada aluno toda semana, só pra saber como a gente tá. Nenhum outro professor faz isso.
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O sinal tocou de novo. Zia engoliu o resto do chili num piscar de olhos. Sadie ficou boquiaberta e empurrou a tigela pra ela. Zia riu e devorou a porção da amiga também. Nesse momento, Wesley passou por perto. Lançou para Zia um olhar sombrio. Sadie se levantou para devolver as bandejas.
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Wesley parou, se virou, e sussurrou só pra ela ouvir:
— Fique fora dos meus assuntos… fada.





